ensaio sobre minha produção artística

Eu gostava de assistir às pessoas vivendo situações extremas¹. Cada coisa era cada coisa e inteira, na união de todas as suas infinitas partes. Mas e as sombras e os reflexos, esses que não se integravam em forma alguma, onde ficavam guardados? Para onde ia a parte das coisas que não cabia na própria coisa? Para o fundo do meu olho, esperando o ofuscamento para vir à tona outra vez? Ou entre as próprias coisas, no espaço vazio entre o fim de uma parte e o começo de outra pequena parte da coisa inteira? Como um por trás do real, feito espírito de sombra ou luz, claro-escuro escondido no mais de-dentro de um tronco de árvore ou no espaço entre um tijolo e outro ou no meio de dois fiapos de nuvem, onde?² Parecia um sonho, desde que eu não tentasse acordar³. Me liberto da necessidade de achar que preciso entender tudo, me organizo e me permito sentir, acreditando no futuro⁴.

Eu tenho uma ideia. Eu não tenho a menor ideia. Autobiografia. Não, biografia. Bikini Kill versus Drácula. Drácula versus Bikini Kill. Muito sentimental. Agora pouco sentimental⁵.

Não é proibido sentimentos, passear sentimentos, passear sentimentos desesperados de cabeça para baixo, não é proibido emoções cálidas, angústias fúteis, fantasias mórbidas e memórias inúteis, um nirvana da bayer e se é bayer (discordo)⁶. Louca, total e completamente louca, a menina muito contente bota a Coca-Cola na boca, num momento de puro amor. De puro amor⁷. Num dia assim, um dia assado, um dia assim, tinindo tinindo trincando⁸.

Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria que ele pensasse que eu andava assim, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era⁹. O silêncio me deprimia. Não era o silêncio do silêncio. Era o meu próprio silêncio¹⁰.


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1 A redoma de vidro, Sylvia Plath - pag. 17
2 Morangos mofados, Caio Fernando de Abreu - pag. 66
3 Filme: Pearl (2022) 34min24s
4 Mantra de gêmeos, disponível em: Capricho
5 A teus pés, Ana Cristina Cesar - pag. 9 (editado)
6 Morangos mofados, Caio Fernando de Abreu - pag. 119
7 Música: Jóia, Joyce
8 Música: Tinindo Trincando, Novos Baianos
9 Morangos mofados, Caio Fernando de Abreu - pag. 28 (modificado)
10 A redoma de vidro, Sylvia Plath - pag. 22


Esse é o texto final para o exercicio que falei anteriormente. É uma coisa muito divertidade de fazer e ler, gostaria de ter visto o dos meus colegas. Entreguei terça e agora já estou de férias. Vou fazer mais! 

Não tenho certeza absoluta se isso fala sobre minha produção, mas acho que sim. Acho que saberia justificar cada coisa. E fala sobre mim também, e as coisas que faço também então acho que é isso ai. 

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