autoentrevista e a entrevista da sylvia plath


"Tomando como base a autoentrevista do artista Lucas Samaras, realize uma autoentrevista abordando sua relação com a arte". Esse era uma das propostas de exercício da aula de laboratório de texto (desculpa pela repetição mas, essa foi minha aula mais favorita de todas desde o inicio do curso). Outra proposta era: "Escolha uma entrevista realizada por um artista, professor, historiador da arte, crítico etc e responda as questões a partir de suas próprias experiências e ideias"
Por que você está fazendo esta entrevista? 
Porque a entrevista é [...] um canteiro virgem de conteúdo fértil. 
Por que você está fazendo esta entrevista? 
Para que eu possa descobrir o que deixou de ser secreto. 
Por que você está fazendo esta entrevista? 
Para me proteger. 
De quê? 
Da imaginação das pessoas. [...] 
Por que você está fazendo esta entrevista? 
É uma forma de liberar culpa. 
Por que você está fazendo esta entrevista? 
Quero cristalizar a situação cotidiana de falar comigo mesmo. 
Por que você está fazendo esta entrevista? 
Para relaxar minha mente das obsessões do dia a dia. 
Por que você está fazendo esta entrevista? 
Para formalizar e isolar a mim mesmo. 
Por que você está fazendo esta entrevista? 
Para entrar na consciência dos outros.
— Trecho de Another autointerview, de Lucas Samaras
(tradução de Sonia Salgado Labouriau)

Partindo disso e mais, ocorreu a seguinte autoentrevista:
Qual a última coisa que você fez?
Perguntei a minha mãe onde é o Casaquistão.
Qual a última coisa que pintou?
Não lembro. Penso nas duas figuras vermelhas mascaradas.
Eu quero pintar mas não consigo.
O que além da pintura é arte?
Tudo que se propõe a ser.
O que não é arte?
Todas as outras coisas.
Qual a primeira obra de arte que você se lembra de reconhecer como arte?
Abaporu.
Qual a primeira obra de arte que você viu ao vivo?
Uma gravura em metal, de mulheres nuas dançando em ciranda de alguma artista modernista brasileira. Não lembro dos nomes. Foi ano passado.
Qual a primeira obra de arte que você sentiu?
Desenho imenso em caneta ou lápis, não me recordo. Era um zoom numa barriga sendo apertada muito forte pelas duas mãos. Foi na noite dos museus, numa exposição sobre o feminino. Não me recordo mais que isso.
Você se esquece com frequência?
Sim. Eu me lembrava de tudo até os 16, depois não consegui mais guardar nada e o que tinha guardado se misturou e perdeu-se.
Tem medo de que todas as suas memórias sumam?
Sim, é meu maior medo.
Qual o seu menor medo?
Morrer.
Que continuou como entrevista, onde eu era a entrevistadora e meus colegas os entrevistados. Os resultados foram ótimos e vou disponibilizar o trabalho todo aqui. Todas foram feitas por texto. Na procura de uma entrevista feita a um artista encontrei a gravação de uma entrevista de 1962 da Sylvia Plath, alterei algumas perguntas para que as respostas fossem além da literatura.

O que fez você começar a produzir arte?
Algo nas cores e formas talvez, eu era criança e gostava de desenhar, falar sozinha e ter coisas que eram minhas, que eu tinha feito.

Que tipo de coisa você fazia quando começou a produzir arte?
Desenhava muitas borboletas, tocas de coelho e meninas. Também teve uma pintura do mar que fiz, quando tinha uns 5 anos, pelo que lembro foi a primeira melhor pintura da minha vida. Foi mágico misturar as cores da têmpera e quando terminei nem acreditava que eu mesma tinha feito. Quando tinha uns 8 comecei a escrever poemas, eu adorava a Cecília Meireles.

Seus trabalhos tendem a surgir de livros, e não da sua própria vida?
É um caos. Eu gostaria de me compreender ou ser interessante e destemida o suficiente para as coisas partirem totalmente de mim, mas tudo sempre precisa de uma inspiração, algo que me faça ver o que anda acontecendo com outros olhos e a partir disso gerar uma ideia e por fim um trabalho. Às vezes também é inconsciente, só começo a fazer algo e depois observo com clareza de onde vieram as vontades. Nem sempre é um livro, às vezes é um filme, uma pessoa, um artista, uma foto, um desenho, um pensamento…

Deixando o que você já fez de lado, há outras coisas que você gostaria de fazer ou que tem feito?
Sim. Eu queria saber tocar um instrumento e cantar e ter uma banda. Eu queria dirigir um filme, esse eu realmente pretendo fazer um dia.

Você costuma estar na companhia de outros artistas?
Sim. Antes da faculdade eu já tinha alguns amigos artistas, músicos… mas grande parte não era, eu achava que esse era o motivo de me sentir tão sozinha. Hoje eu me sinto sozinha de uma maneira diferente.

Então, basicamente, produzir arte é algo que tem sido uma grande satisfação na sua vida, é isso?
Absolutamente. Eu não me imagino fazendo outra coisa! Tem momentos que não aproveito direito as oportunidades mas é que todas as coisas são tão rápidas e eletrizantes que me atordoam. Toda vez que eu faço, experiencio ou me sensibilizo com algo que alguém produziu eu tenho mais certeza que é isto que quero para sempre.


Enfim, com tudo isso, convido a todos a responderem alguma dessas entrevistas (nos comentários ou onde quiser) e também a criar uma entrevista de qualquer tipo e compartilhar comigo!

ensaio sobre minha produção artística

Eu gostava de assistir às pessoas vivendo situações extremas¹. Cada coisa era cada coisa e inteira, na união de todas as suas infinitas partes. Mas e as sombras e os reflexos, esses que não se integravam em forma alguma, onde ficavam guardados? Para onde ia a parte das coisas que não cabia na própria coisa? Para o fundo do meu olho, esperando o ofuscamento para vir à tona outra vez? Ou entre as próprias coisas, no espaço vazio entre o fim de uma parte e o começo de outra pequena parte da coisa inteira? Como um por trás do real, feito espírito de sombra ou luz, claro-escuro escondido no mais de-dentro de um tronco de árvore ou no espaço entre um tijolo e outro ou no meio de dois fiapos de nuvem, onde?² Parecia um sonho, desde que eu não tentasse acordar³. Me liberto da necessidade de achar que preciso entender tudo, me organizo e me permito sentir, acreditando no futuro⁴.

Eu tenho uma ideia. Eu não tenho a menor ideia. Autobiografia. Não, biografia. Bikini Kill versus Drácula. Drácula versus Bikini Kill. Muito sentimental. Agora pouco sentimental⁵.

Não é proibido sentimentos, passear sentimentos, passear sentimentos desesperados de cabeça para baixo, não é proibido emoções cálidas, angústias fúteis, fantasias mórbidas e memórias inúteis, um nirvana da bayer e se é bayer (discordo)⁶. Louca, total e completamente louca, a menina muito contente bota a Coca-Cola na boca, num momento de puro amor. De puro amor⁷. Num dia assim, um dia assado, um dia assim, tinindo tinindo trincando⁸.

Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria que ele pensasse que eu andava assim, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era⁹. O silêncio me deprimia. Não era o silêncio do silêncio. Era o meu próprio silêncio¹⁰.


⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆⋆
1 A redoma de vidro, Sylvia Plath - pag. 17
2 Morangos mofados, Caio Fernando de Abreu - pag. 66
3 Filme: Pearl (2022) 34min24s
4 Mantra de gêmeos, disponível em: Capricho
5 A teus pés, Ana Cristina Cesar - pag. 9 (editado)
6 Morangos mofados, Caio Fernando de Abreu - pag. 119
7 Música: Jóia, Joyce
8 Música: Tinindo Trincando, Novos Baianos
9 Morangos mofados, Caio Fernando de Abreu - pag. 28 (modificado)
10 A redoma de vidro, Sylvia Plath - pag. 22


Esse é o texto final para o exercicio que falei anteriormente. É uma coisa muito divertidade de fazer e ler, gostaria de ter visto o dos meus colegas. Entreguei terça e agora já estou de férias. Vou fazer mais! 

Não tenho certeza absoluta se isso fala sobre minha produção, mas acho que sim. Acho que saberia justificar cada coisa. E fala sobre mim também, e as coisas que faço também então acho que é isso ai. 

034: chove chuva chove sem parar

@gabsgabisgabes

Estou quase de férias. Ainda sobre a aula de laboratório de texto tenho esse ultimo trabalho: tecido de citações. Com base no texto O que é um autor, de Roland Barthes, e da declaração de Sherrie Levine sobre sua produção em 1982, preciso criar um texto-colagem, com base em textos de outros autores, sobre meu trabalho, pesquisa ou atuação. Estou animada mas não sei para onde quero ir e nem de onde partir. Estou em casa, não em Porto Alegre, e chove desde que cheguei. Anotei esses trechos que grifei quando li Morangos Mofados:

"Cada coisa era cada coisa e inteira, na união de todas as suas infinitas partes. Mas e as sombras e os reflexos, esses que não se integravam em forma alguma, onde ficavam guardados? Para onde ia a parte das coisas que não cabia na própria coisa? Para o fundo do meu olho, esperando o ofuscamento para vir à tona outra vez? Ou entre as próprias coisas-coisas, no espaço vazio entre o fim de uma parte e o começo de outra pequena parte da coisa inteira? Como um por trás do real, feito espírito de sombra ou luz, claro-escuro escondido no mais de-dentro de um tronco de árvore ou no espaço entre um tijolo e outro ou no meio de dois fiapos de nuvem, onde?"
"Proibido sentimentos, passear sentimentos, passear sentimentos desesperados de cabeça para baixo, proibido emoções cálidas, angústias fúteis, fantasias mórbidas e memórias inúteis, um nirvana da bayer e se é bayer."
"Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era."
Talvez objetivos talvez coisas:
⭐ Não ter medo e angústia em falar
⭐ Terminar 
⭐ Gritar
⭐ Correr
⭐ Escutar

Indicações:
⭐ Chorona, de Julia Caus Falce. Zine muito bonita, sensível e leitura obrigatória!!! Tem contribuições minhas :)
Eu destruirei vocês, de Isabela Thomé. Uma newsletter (que são os novos blogs) muito divertida e criativa, é impossível não sorrir enquanto lê.


Filmes que assisti essa semana:
The strange thing about the Johnsons (2011) nojento, estranho, não pretendo rever. 
⭐ The edge of seventeen (2016) já tentei assistir esse filme mais de duas vezes mas nunca lembro que já (quase) vi. Ele ta em todas as listas de filmes que gosto mas mesmo assim esse não me prendeu. 
⭐ Pearl (2022) esperava mais sangue e cenas chocante! É bonito e eu gostei, adoro slasher. 
La Chambre (1972) tenho um sonho intelectual bobo que é assistir a todos os filmes da Chantal Akerman, Agnès Varda e Vera Chytilová, mesmo que sofra. Nesse é documentado o quarto de Chantal em 360º. Achei que aconteceria algo aterrorizante. 
⭐ Efeito Borboleta (2004) não sei porque comecei a ver mas, não me arrependi. É mais pesado do que poderia imaginar e menos chato também, me lembrou o filme Questão de Tempo e IA (que detesto!). Ana, minha prima fã de dramas românticos, adorou.
⭐ Shiva Baby (2020) interessante, caótico, me senti numa festa de familia de verdade. Me fez pensar naqueles momentos quando estou em um evento e não sei o que fazer, falar com alguém? Sobre o que? Procurar algo? Como não parecer perdida? 
⭐ Talk to me (2023) assisti por acaso logo depois de ver Um homem com uma câmera, no cinema do shopping, sessão das 21h. Me passaram a sinopse quando já estavamos nas poltronas e a sala escura. É um filme de espirítios e demonios que realmente dá medo!!! O final é divertido, lembrou até um pouco de Morte Morte Morte e deixa as coisas leves para dormir dsofkdpsofkk Minha cena favorita é quando filmam o canto do quarto e sai uma coisa de lá, é um medo que me assombra.
⭐ Um homem com uma câmera (1929) assisti na Sala Redenção, é parte da Mostra Cinema de Vanguarda, um projeto da cadeira com o mesmo nome. No fim uns colegas explicaram um pouco e também falaram do knokismo, o cinema puro. É o cotiadiano sem intervenções da época. 
⭐ Street Trash (1987) sujo, imundo, terrível e eu tenho até vergonha de dizer que ri algumas vezes.